“Na indústria de vidro, os fornos são como os iogurtes”. A comparação pode parecer estranha e, sobretudo, pouco intuitiva. Contudo, a explicação é simples, salientou o Diretor de Recursos Humanos da Gallo Vidro, Paulo Mateus: “é que os fornos também têm um prazo de validade”.

A explicação de Paulo Mateus inseriu-se na primeira atividade do segundo dia da Leiria-In – divididos em quatro equipas, os estudantes visitaram quatro empresas de referência da indústria do vidro, situadas na Marinha Grande: Gallo Vidro, Crisal, Santos Barosa e Barbosa e Almeida.

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Em comum, estas empresas possuem a particularidade de produzir 365 dias por ano, 24 horas por dia. É este dado, realçou Paulo Mateus, que “leva a um desgaste natural dos fornos”, sendo que “a cada 12 a 14 anos, é necessária a sua reconstrução”. A visita dos estudantes centrou-se em quatro das oito linhas de produção da empresa, servidas, precisamente, pelo mais recente forno da empresa, construído em 2015.

A visita acompanhou “todo o processo de fabrico do vidro, da zona quente à paletização e identificação”. Esta é uma forma de, salientou o diretor, conhecer melhor “uma indústria que utiliza tecnologia de ponta e é muito competitiva”, sendo, por isso, “uma opção aliciante para o futuro profissional”.

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No mesmo sentido, o responsável do Gabinete Técnico da BA Vidro, João Neto, explicou à FORUM que esta é uma indústria “com uma componente tecnológica cada vez maior” que exige, de igual forma, “mão de obra cada vez mais qualificada”.

O conhecimento do processo do vidro, acrescentou, é também uma forma de comunicação ambiental, uma vez que “este é um material 100% reciclável”. “A reciclagem permite poupar recursos naturais e energéticos, bem como manter postos de trabalho”, reforçou.

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Durante as visitas foram também abordados aspetos relacionados com as profissões envolvidas no percurso de produção. O tempo da produção artesanal, sublinham os representantes das empresas visitadas, está hoje muito distante. Robots e autómatos são uma presença habitual, o que resulta “numa abertura para incorporar as ideias novas que vêm da formação profisional”, destacou João Neto.

Essa temática foi também abordada por Durval Gaspar, responsável de Produção de Fábrica da Crisal, já perto do final da visita, quando perguntou aos participantes: “algum de vocês se vê a trabalhar nesta empresa no futuro?”. Conforme explicou à FORUM, a visita destes estudantes é importante também para a empresa, de forma a “perceber em que ponto está em relação às camadas mais jovens”. “Estes inputs permitem-nos melhorar as condições de trabalho e ser mais apelativos”, frisou.

No centro da tecnologia
Num setor tão marcado pelo desenvolvimento tecnológico, como garantir os níveis de inovação que mantém a competitivade das empresas? É neste ponto que encontramos a missão do Centimfe – um centro tecnológico que “presta apoio às empresas na área dos moldes, ferramentas especiais e plásticos”, explicou a Diretora para Área de Formação, Ana Carreira.

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As empresas visitadas pela manhã, destacou Ana Carreira, fazem parte dos associados deste centro, bem como dezenas de outras. Durante cerca de uma hora, os estudantes puderam visitar as três áreas de prestação de serviços deste centro – Engenharia de Processo, Metereologia e Prototipagem – compreendendo a forma como estes departamentos fomentam a inovação e qualidade nas empresas da região.

Esculpindo o aço
António Rato trabalhou 46 anos na indústria dos moldes. Começou em 1957, com 14 anos, acabado de sair da escola industrial. A sua família não tinha ligações ao setor – a mãe era costureira e o pai vidreiro – mas, à época, a indústria da serralharia “estava na moda”. “Com a descoberta do plástico, era uma área muito rentável”, explica.

A entrada numa empresa de serralharia, como tornerio mecânico, foi o primeiro passo de uma caminhada de quase cinco décadas que fez com gosto e que “nunca foi um sacríficio”. No final, chegaria a Diretor de Empresa e prestaria consultoria técnica ao departamento comercial, viajando pelos Estados Unidos, por exemplo, devido aos seus conhecimentos na área dos moldes.

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Ao longo do seu percurso profissional, António Rato acompanhou a evolução tecnológica deste setor. Um trajeto que se encontra espelhado na exposição "Esculpir o Aço" pela qual guiou hoje os participantes do Leiria-In. “No fundo, o meu percurso é a viagem que fizemos aqui – passei por estas fases todas”, realça. 

Pelo meio, a aspiração de trabalhar em desenho técnico nunca seria concretizada. “Infelizmente nunca chegou a acontecer”, concorda, antes de acrescentar: “Por duas vezes, o dono da empresa, aquele senhor [aponta para foto do empresário Aníbal Abrantes exposta no Museu do Aço], chegou a dar autorização. Mas o encarregado não me deixou ir, por achar que faltava gente na serralharia”.

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A certa altura, o guia pegou numa das peças em exposição que se encontrava devidamente encaixada no respetivo molde. “Se vissemos esta peça na rua, eramos capazes de lhe dar um pontapé”, começou por salientar, ressalvando: “Mas vejam a complexidade envolvida na sua produção”.

De igual forma, para António Rato, a relevância atribuída pela população em geral a esta indústria não é condizente com a sua qualidade e importância. Os níveis de exportação – que se situam entre os 80 e os 85% da total da produção – "comprovam que pertencemos à classe dos melhores do Mundo”, garante.

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Por essa razão, espera António Rato, o contacto com a história desta indústria poderá ser “um importante incentivo, ajudando os estudantes a seguir esta via, no futuro, mesmo que não tenham, à partida, qualquer ligação ao setor”. “Tal como eu não tinha”, concluiu.

No Palácio do Vidro
Se o Museu do Vidro comemora este ano 20 anos de existência, a sua morada vai celebrar o 250º aniversário. É no Palácio Stephens, na antiga fábrica de vidros da Marinha Grande, que se encontra esta estrutura museológica que apresenta a evolução da indústria vidreira.

A ligação histórica da Marinha Grande ao vidro, explica a responsável pelo museu, Tânia Martinho, vive ainda hoje nas empresas que ainda se dedicam à sua produção e na história de uma parte significativa da população que trabalhou nesta indústria. Por essa razão, o Museu do Vidro “preserva e divulga esta memória”.

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O museu movimenta-se em três vertentes: histórica, oficinal e contemporânea. Para além das exposições permanentes que acompanham as técnicas, é possível conhecer utilizações do material nas artes plásticas e observar ao vivo algumas das técnicas artesanais de produção.

Esta preservação, realça, será sempre fundamental, numa altura em que o setor é marcado pela constante inovação tecnológica: “Sem conhecer a base, nunca conseguiríamos chegar ao ponto em que estamos”.

Ajudar e mergulhar
Antes do jantar, os participantes do Leiria-In passaram ainda pela associação "AdeSer" uma associação para o desenvolvimento económico e social da região da Marinha Grande. Esta Instituição Pública de Solidariedade Social trabalha com crianças, acolhendo cerca de 80 estudantes do 1.º ao 3.º ciclos. Para além do serviço de atelier de tempos livres, a associação dinamiza outras atividades, como grupos musicais ou tertúlias. 

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A passagem dos participantes serviu também para a auxiliar esta associação, com a doação de pacotes de leite e produtos de higiene. Antes da saída, houve ainda tempo para algumas brincadeiras com as crianças. A fechar a tarde, uma viagem até Vieira de Leiria permitiu aos estudantes que participam no Leiria-In mergulhar (e escorregar) no Mariparque. 

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Conversar e aprender
Para a noite do segundo dia, o programa do Leiria-In previa uma "A Vida de Um Industrial", durante a qual o administrador da Somema, Fernando Vicente, partilhou a sua história de vida e respondeu a algumas questões dos estudantes sobre o mundo do emprego e da vida empresarial. 

A abrir a sessão, a Presidente da Câmara da Marinha Grande, Cidália Ferreira, destacou os números que mostram um concelho próximo do pleno emprego. "Temos apenas 400 pessoas inscritas no Centro de Emprego", revelou. A região da Marinha Grande, sublinhou ainda Cidália Ferreira, possui ainda características muito atrativas para os jovens. "Este é um concelho marcado pela inovação, numa parceria muito bem-sucedida com o Politécnico de Leiria". 

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Depois da apresentação de Fernando Vicente, o empresário resumiu o seu percurso profissional, destacando algumas ideias. Uma delas diz respeito à importância da formação académica. "Devem estudar até ao máximo que conseguirem", sublinhou, realçando que é fundamental escolher uma área considerando duas variáveis: "escolham estudar o que gostam, mas pensando nas saídas profissionais". 

Com uma vida profissional integralmente ligada à Somema e filho de um dos fundadores da empresa, Fernando Vicente destacou a importância da "humildade de saber aprender com os outros". "Temos de captar todo o saber que existe, para sermos melhores", reforçou.