Como defines a ação do CNJ?
O CNJ é uma organização política de representação dos jovens portugueses. É política e faz política, tendo nessa vertente várias dimensões. Uma delas é a de auscultação, ou seja, é um parceiro social que trabalha com vários parceiros como o Conselho Nacional de Educação ou a Assembleia da República.

Qual a outra dimensão?
A outra parte é a política de mobilização da atenção mediática, das pessoas ou das instituições para o que são as causas de hoje dos jovens. Eu, como qualquer outro Presidente do CNJ, tenho de ser a pessoa que fala por uma geração inteira e que, na minha opinião, deve mostrar os dentes pelos jovens.

E quais são algumas das causas dos jovens hoje?
Essa é das perguntas que mais vezes me fazem. A causa é exatamente a mesma que os jovens de há 50 ou 100 anos tinham: serem felizes. E isso envolve olhar para tudo. Os problemas dos jovens de hoje não são os de há 50 anos atrás. O problema maior é que perdemos o espaço de decisão. Os senhores que inventaram a cogestão e a codecisão, hoje, empurram os jovens para o zero, para o nada.

De que forma?
Tiram os jovens dos conselhos diretivos das instituições de ensino superior, não querem estudantes a ter associações porque os incomoda... Metade das associações juvenis são presididas por pessoas entre os 30 e os 86 anos que as criaram há muito tempo e as querem preservar. Essas são as mesmas pessoas que, hoje em dia, dizem que os jovens não querem saber.

Sentes que há uma atitude condescendente para com os jovens? E isso implica a proteção de um espaço de juventude?

A nossa maior ambição é criar oportunidade. Nós [os jovens] não somos nenhuns burros, nem analfabetos, nem uns bêbedos estudantes. Existe esta condescendência brutal: de se achar que ainda falta qualquer coisa. Ainda falta experiência, o que quer que seja. Ninguém quer uma luta entre velhos e novos: todos somos precisos. Agora, temos de notar o facto de os sindicatos serem presididos com pessoas quase na idade da reforma, na sua maioria. E de os partidos estarem a envelhecer e do parlamento estar a envelhecer...



«No meu primeiro ano de mandato mudei muito mais com um
telefonema do que com 30 atividades que organizei»
 

 

Qual poderia ser uma forma de mudar esse cenário?
Há correções que são de sistema. Como seria, por exemplo, poder um dia limitar os mandatos na Assembleia da República. Não são limitados até porque a Constituição da República Portuguesa não o prevê, seria preciso uma revisão constitucional para isso. Mas é assim que temos o Parlamento a envelhecer. Tive várias conversas com deputados que me diziam: "Tem que se rejuvenescer a política". Então, mas [se] você é deputado há trinta anos...

Qual o papel dos partidos na mudança de que falas?
Os partidos poderiam dar o primeiro passo. Os partidos aprovaram todos as quotas de género. É um mecanismo de correção que era necessário. Mas não os vejo minimamente preocupados em ter pessoas mais novas a abraçar a causa pública partidária. O sistema precisa de muitos mecanismos de correção, nomeadamente em tudo o que diz respeito ao setor da juventude. Está totalmente obsoleto. Mas é muito complicado porque é um setor muito imobilista: os jovens de há uns anos atrás querem continuar a ser donos dele. Depois, há questões de investimentos nos jovens e na juventude.

Que tipo de questões?
Hoje estamos mais estáveis [financeiramente] e todas as medidas que foram tomadas, conforme aumentou a capacidade de as tomar, foram para a geração do costume. Foi desbloqueada a progressão das carreiras para quem está na carreira há muito tempo, não para quem quer entrar nelas. Foram devolvidos os salários aos que tinham cortes. Foram devolvidas as pensões. Aos jovens, nada. Há transferências do Orçamento de Estado para capital da Segurança Social de dezenas de milhões de euros. Não seria mais benéfico investir na nossa geração, a entrar no mercado de trabalho, a criar empresas, a atingir chefias de empresas, etc...? Para que nós, produzindo mais, capitalizássemos a segurança social? Há uma diferença entre garantir algumas gerações a todo o custo, deixando outra na miséria. Deveríamos fazer isto ao contrário.

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Pensas que existe um conflito de gerações?
Não. Acho que todos são precisos. Portugal tem de ser um país de gerações e é por isso que é preciso colocar todos em posição de igualdade. Com certeza, haverá competência dos dois lados e, com certeza, os dois lados têm lugar.

Essas visões são conciliáveis?
Claro que não vamos agarrar nas pessoas com 60 anos e metê-las na rua. É claro que é difícil, compreendo. Faço questão de dizer e sublinhar isto: os jovens querem para si exatamente o mesmo que querem para todas as pessoas: felicidade, acesso ao emprego, acesso à construção da sua família. Eu sou um grande defensor do Estado Social, para ter, por exemplo, Educação e Saúde para todos. E acho fantástico como se tem verificado cada vez mais este fenómeno: parece que só há direitos para uma geração. Os jovens podem andar por aí precários e, normalmente, quem está lá em baixo somos nós [jovens].

Falaste em direitos que são negados aos jovens. Quais?
O direito à habitação, o direito a um emprego com condições – o direito a ser feliz. O meu avô está sempre a "ralhar" comigo porque, com a minha idade, já trabalhava e tinha três filhas. E eu nem sequer vislumbro essa possibilidade. É claro que a minha geração está muito melhor em muitos aspetos. Ninguém está disponível para abdicar de direitos. E ninguém deve estar. Mas todos estão confortáveis a ver os jovens a recibos verdes em juntas de freguesia, na administração pública ou no IEFP. E as pessoas, que não estudaram metade do que eu [jovem] estudei, dizem com toda a normalidade: "O puto ainda é novo, ainda precisa de experiência". É um bocado injusto, acho eu.

O cenário que descreves parece reforçar a necessidade dos jovens se "defenderem", como dizes. Que avaliação é que fazes da ligação dos jovens à sua própria representação?
É a minha pergunta preferida. Tenho a certeza que isto também é culpa nossa. Nós, jovens, estamos afastadíssimos da participação formal e estamos indignados. Quanto mais nos afastarmos, menos vamos decidir. É preciso ir votar: votar mesmo, valorizar as instituições que temos, da junta de freguesia até ao Parlamento. Temos de valorizar isto, porque salvou-nos a vida de coisas que nem sequer temos noção.

 

«É preciso ir votar: votar mesmo, valorizar as instituições
que temos, da junta de freguesia até ao Parlamento»

 

Qual o maior perigo que nasce desse afastamento?
Um regresso à participação não pelas melhores razões. Isso viu-se em todo o lado: já se viu em França, já se viu na Áustria, vai ver-se no Brasil. Quando as pessoas não vêm resposta, normalmente, cansam-se o suficiente para procurar resposta noutros sítios. Os sítios mais populistas dão as respostas fáceis todas e têm uma coisa muito perigosa, que é ter certezas absolutas de tudo: é uma coisa que deveríamos todos desconfiar. Penso que em Portugal também se vai verificar e tenho medo disso.

Sentes que, em Portugal, já existe esse afastamento dos jovens do sistema?
Sim. Sinto que há cada vez mais indignação. Isso é péssimo: as pessoas estão indignadas com a política. E o perigo está à vista, acontecer o mesmo que nos outros países. O Obama veio ao Porto, há uns tempos, e deixou uma mensagem muito clara: "quem me ajudou a transformar a América, foram as mesmas pessoas que me ajudaram a ganhar as eleições. Foram as pessoas com 25 anos. E foram todas as que eu pus a trabalhar. Façam o mesmo. Vão-se surpreender". Acho que isto é uma mensagem brutal.

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O que é, hoje em dia, ser jovem?

Ser jovem, hoje, é uma brutalidade de coisas, nomeadamente de Mundo: ninguém é só português, hoje. Nós nascemos europeus, vamos para todo lado, viajamos para qualquer lado na Europa por 30 euros. Ser jovem hoje, é ter o Mundo na mão, ter o Mundo no bolso. E isso tem consequências [positivas]. Há um estudo da ESN (Erasmus Student Network) sobre a abstenção nas eleições europeias. A abstenção entre estudantes que fizeram Erasmus foi 21%. Em Portugal, 21% foi a taxa de jovens que foi votar às eleições. Isto mostra que, se damos um sinal positivo, mostramos que vale a pena. Ninguém dá valor ao que não conhece, ao que não sabe que existe. É exatamente igual ao CNJ: a maior parte dos jovens não sabe o que é o CNJ. Se não sabe, porque é que há de valorizar?

E como é que um jovem pode ter a perceção do que é o vosso trabalho?
Nomeadamente, através das nossas organizações. O CNJ foi fundado há 33 anos por organizações que ainda hoje dão cartas em Portugal: os Escoteiros de Portugal, as juventudes partidárias, as juventudes dos sindicatos, as organizações religiosas e, agora, pelos movimentos educativo, LGBT, desportivo, etc... Mas não vale a pena estarmos a dar respostas 'giras', a dourar a pílula. Eu não tenho superioridade moral a ninguém para dizer "devias saber mais sobre o CNJ". A resposta tem de ser o contrário. Tem de ser o CNJ e as suas organizações a mostrarem que vale a pena. Aprendi isso com a minha experiência. No meu primeiro ano de mandato mudei muito mais com um telefonema do que com 30 atividades que organizei.

Que telefonema foi esse?
Foi o telefonema que fiz para o Jornal de Notícias, a denunciar que havia empresas a roubar estagiários. E foi só sair nas notícias. Portanto, a pergunta que qualquer presidente do CNJ tem de fazer a si próprio todos os dias é: "como é que mudaste, para melhor, a vida aos jovens hoje?". Nem todos os dias se consegue responder a isto. Mas deve ser essa a ambição.