Julinho KSD lançou, em setembro deste ano, o seu primeiro álbum “Sabi na Sabura”. Em conversa com a FORUM, o artista de Casal de São José, em Mem Martins, recorda as suas principais influências e a forma como uma lesão num joelho acabaria por fazê-lo perceber que era na música que podia construir uma carreira. O músico de 23 anos revela também mais sobre o seu processo criativo: “É o próprio beat que fala comigo. Meto o instrumental e o instrumental vai-me dizendo o que criar. É só sentir”.


 

O que é que precisas de ter para estares “Sabi na Sabura” [estar bem na vida em crioulo caboverdiano]?

Para estar “sabi na sabura”, só preciso de uma boa companhia ou de estar sozinho, tranquilamente. Só preciso de uma boa música, de um bom ambiente, e estou “sabi na sabura” (risos).

 

O que é que este primeiro álbum representa para ti?

É como um primeiro filho, nunca tive um e é como se assumisse um. Tenho recebido boas reações, grandes feedbacks. O people tem reagido bem, muitas pessoas identificam-me em stories a ouvir as músicas. O álbum está a ter uma boa adesão, tanto no Spotify como na edição física. ?

 

 

Em 2019, deixaste o futebol e, hoje em dia, dedicas-te exclusivamente à música. O que é que serias se não fosses cantor nem futebolista?

Se calhar, estava a trabalhar na Tabaqueira ou no Pão com Chouriço, tanto faz. Temos é de ganhar dinheiro. Não gosto de nada fora da área da música ou do futebol – tudo o resto seria um trabalho “obrigado”.

 

Em que momento é que percebeste que querias ser cantor?

Foi a partir do momento em que tive uma lesão no joelho. Fiz uma rotura de ligamentos, em 2019, e a minha carreira de futebol foi embora.

 

 

 

Quais foram os artistas que ouvias quando eras mais novo e que te ajudaram a traçar o teu percurso?

Foram sempre nomes como os Racionais, Landim, Loreta, Ferro Gaita, Gilyto, Jorge Neto... Eram sons muito diferentes. O meu irmão conhecia outros estilos de música, que acabavam por se juntar ao que se ouvia em casa.??

 

O teu irmão foi uma forte influência para ti na música, além dos teus pais?

Sim, o meu irmão é que trazia para casa as músicas todas do bairro. Enquanto que, em casa, os meus pais ouviam funaná ou Jorge Neto, o meu irmão trazia outros estilos de música.

 


«Sinto que o people estava habituado a ouvir crioulo e associar à violência. E eu consegui, pelo menos, que o people, em vez de ver só violência, visse mais do que isso»


 

 Em 2019, foste a Cabo Verde e, enquanto lá estiveste, lançaste o tema “Sentimento Safari", música que te levou ao reconhecimento do público. O que nos podes contar sobre essa viagem?

Foi grande mambo. Voltei a Portugal como uma pessoa completamente diferente. Como estava em Cabo Verde, ainda não tinha noção da reação em Portugal. Quando cheguei, só ouvia pessoas que me diziam “ganda som”. Não parava de receber notificações, as pessoas na rua também me diziam o mesmo. Foi aí que comecei a aplicar-me mais na música, e começámos a marcar concertos pouco depois disso. Fazia festas em casa, atuações ainda bué básicas. Entretanto, fomos subindo aos poucos.

 

Para o futuro já tens pelo menos dois álbuns pensados, certo?

Não estão só pensados, estão mesmo feitos. Só não sei como vão ser lançados. Se calhar, as músicas não vão ser editadas enquanto álbuns, mas sim em singles. Os temas mais importantes e os que sentir, na altura, vou lançar.?

 

 

O que é que os Instinto26 representam para ti?

São a minha família. Passo mais tempo com eles do que com a minha própria família. Por isso, eles sabem a resposta. São os meus irmãos.

 

Cantas em português, inglês e crioulo. Qual é a próxima língua que vamos ouvir nas tuas músicas?

Francês, que já sabemos falar. Algumas dessas músicas que gravámos já têm partes em francês, que saem no próximo ano.

 


«[Este álbum] é como um primeiro filho. Tenho recebido boas reações, grandes feedbacks»


 

 

Qual é que é a tua fonte de inspiração para seres criativo?

É o próprio beat que fala comigo. Meto o instrumental e o instrumental vai-me dizendo o que criar. É só sentir. Na maioria das vezes, ouço as minhas músicas, começo a ouvir Instinto26. Depois, para desenjoar, ouço uma música de afro, mas é só instrumentais também. Porque em princípio, o instrumental fala comigo e diz-me o tema de que vou falar.

 

Em outras entrevistas, já revelaste que estás a produzir músicas a um ritmo bastante acelerado, com uma ou duas músicas por dia, é sempre assim?

Ya, estava agora mesmo a gravar antes desta entrevista (risos). Mas sinto que a maioria delas pode nem ser lançada. A maioria das músicas vai ficar aqui guardada para mim. Eventualmente, no futuro, vamos ouvir todos outra vez.

 

 

Isso também aconteceu com o álbum? Também seguiste esse processo de escolher entre várias músicas??

Sim, e foi bué difícil. Nunca contei, mas tinha para aí cinquenta e tal músicas, porque nós estamos a produzir bué. No final, sou eu que decido [o que fica no álbum], mas peço sempre ajuda. Vou vendo pela reação das pessoas qual é a música que passa melhor para o público. Vejo se aprendem rápido a letra e a música, por exemplo.?

 

Recebes amigos ou outros artistas em estúdio?

Sim, ficam cá no convívio, nem é para gravar. Ficam aqui a curtir connosco, a criar também um ambiente fixe. Depois vamos dar mais um rolê e voltamos para cá outra vez, às vezes durante a noite.????

 


«É o próprio beat que fala comigo. Meto o instrumental e o instrumental vai-me dizendo o que criar. É só sentir»


 

 

Como fazes a distribuição das horas dos teus dias para compor, gravar, conviver?

A minha rotina não tem horas. Eu venho para o estúdio e vou ver o que é que se passa no meu dia.?

 

Em entrevistas passadas, já referiste que o teu relógio biológico te acorda todos os dias às 7h...

Hoje, por exemplo, acordei às 6h. Enquanto uns dormem, os outros trabalham.?

 

 

 

 

O que é que o Julinho vê na Netflix?

Já vi “Squid Game”, também já vi “La Casa de Papel”. Ontem vi o Shrek, por acaso, o tempo natalício está a chegar e ficamos com vontade de ver desenhos animados. A altura do Natal é a melhor, até vou ver o “Sozinho em Casa” (risos).

 

Esperavas que a cultura de Cabo Verde fosse tão bem recebida em Portugal através das tuas músicas?

Sinto que o people estava habituado a ouvir crioulo e associar à violência. E eu consegui, pelo menos, que o people, em vez de ver só violência, visse mais do que isso.

 

O que podemos esperar para os próximos anos?

O futuro é só o futuro e eu estou a tentar planeá-lo. Mas ainda estamos a acabar de fazer as músicas e decidir as músicas, para depois eventualmente gravar alguma coisa e lançar no próximo ano. Temos muitos projetos, falta só decidir datas.