Maria Bentes, conhecida pelo seu nome artístico Silly, é natural de São Miguel, Açores, mas cresceu em Serpa, no Alentejo. Desde pequena que a artista de 25 anos tem um contacto próximo com a música, trazendo atualmente um universo vasto de géneros musicais para as suas faixas. Lançou recentemente o seu álbum de estreia “Miguela”, que desvenda algumas das suas vivências. Em conversa com a FORUM, a jovem artista partilha um pouco sobre a sua jornada e perspetivas futuras.   

Sabemos que estudaste música, podes contar-nos um pouco mais sobre como surgiu o teu gosto e interesse por esta área?

Acho que talvez seja uma história assim muito comum a toda a gente. Em minha casa, sempre se ouviu muita música, por influência dos meus pais. Depois, acho que esse gosto foi um bocadinho mais aprofundado porque o meu pai tocava guitarra e eu, por volta dos onze ou doze anos, também comecei a ter aulas. Tive aulas durante alguns anos até ter a vontade de mudar de instrumento, para o piano, porque senti que na guitarra já tinha alguma destreza. Tive algumas aulas [de piano] durante um ano, fiz as provas de admissão para o conservatório, consegui entrar e fiz o ciclo básico. 

A partir desse momento, acho que a música já ocupava um grande espaço na minha vida. Apesar de não ter seguido esta área na licenciatura, quis sempre voltar a estudar [música]. Então, depois de acabar o curso [de ciências da comunicação], estive ainda algum tempo na ETIC, onde fiz um curso de um ano em criação e produção musical, na vertente de hip-hop. Esta foi a maneira que eu arranjei de continuar a estudar música. 

 

 

Porquê o nome artístico “Silly”?

Quando estava no conservatório e no secundário, comecei a produzir alguns instrumentais. Na altura, nem sequer tinha voz, e o nome do meu Instagram já era “Silly Bentes”. Então, no SoundCloud, fui partilhando algumas ideias – alguns beats e assim. Depois partilhava também no Instagram, como Silly, quase inconscientemente fiz essa associação ao nome. Na altura de lançar o meu primeiro tema, “Além”, pensei: “olha então fica Silly”. Não pensei muito, por isso é que gostava de ter uma história um bocadinho mais romântica (risos). 

Quem é a Silly?

Eu acho que a Silly, na verdade, é uma extensão da Maria. Não é diferente em quase nada, é só uma boa desculpa para materializar aquilo que a Maria se calhar não teria coragem de fazer em nome próprio. Ou seja, se calhar a linha entre a Silly e aquilo que eu sou é muito ténue. Sou uma pessoa que vibra muito com a música e que decidiu arriscar também nessa vontade de escrever e de compor. Acho que a Silly é uma pessoa serena e feliz por ter a oportunidade de fazer música e conseguir, de alguma forma, ecoar nas pessoas. 

 


 

«A partir desse momento, acho que a música já ocupava um grande espaço na minha vida. Apesar de não ter seguido esta área na licenciatura, quis sempre voltar a estudar [música]»

 


 

Quando e como é que começou a tua jornada no mundo da música? 

Na altura do conservatório, eu já compunha coisas ao piano e depois um bocadinho mais à frente comecei a fazer ideias de instrumentais e beats. Senti sempre que nunca podia cantar, que não sabia cantar, então nunca me aventurei nesse sentido. Mas, ao mesmo tempo, eu também gostava muito da palavra e gostava de escrever. Estas foram assim as primeiras ideias de produção, de começar a produzir e a compor alguma coisa. Depois, na altura da pandemia, decidi arriscar e pensei: “olha estamos todos tão distantes que, se calhar se eu puser isto cá fora, não vou sentir esse julgamento tão rápido ou tão brusco”. Durante algum tempo, foi uma coisa mais de rima e rap ou uma cena mais falada, mais spoken word. Foram vários passinhos de bebé até chegar aqu, ao disco “Miguela”, onde já senti uma liberdade maior e uma confiança maior para poder cantar. 

Nas tuas letras, podemos conhecer um pouco mais sobre as tuas vivências. O que te inspira para escreveres e o que é que tentas passar ao público através da tua música? 

Eu digo sempre que acho que, às vezes, aquilo que eu escrevo e aquilo que eu faço acaba por ser um bocadinho egoísta. Porque sinto que é muito meu e é muito a tradução daquilo que eu vivo. Por outro lado, também sei que a forma como escrevo às vezes é muito metafórica e isso também te permite a ti, por exemplo, com outra vivência completamente diferente, sentir aquilo que eu escrevi. Eu não tenho um intuito, ou seja, não faço canção de intervenção, por exemplo, não tenho o intuito de passar uma mensagem muito específica. Partilho de uma forma muito genuína e muito honesta aquilo que eu estou a viver. E é muito fixe a sensação de entender que isso faz sentido nas outras pessoas também, naquelas que ouvem e que têm histórias diferentes da minha. Acho que é uma coisa assim muito consequente do que está a acontecer, tipo se aquela ideia instrumental está a levar-me para algum sítio de mais tristeza, há palavras que vão ser gatilhos para escrever sobre alguma coisa que eu estou a pensar. Ou outras vezes não, há temas que nascem no momento, não são muito pensados. 

 

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Como é o teu processo criativo?

É muito livre e começa sempre por uma ideia instrumental, ou seja, eu não tenho textos ou poemas escritos que depois vou tentar musicar. A ideia começa sempre quando estou a compor alguma cena à guitarra ou ao piano ou só a partir de um sample no computador e tenho uma ideia. Depois, gravo uma voz, uma ideia melódica e, às vezes, até só tenho palavras tipo “saudade” ou “memória”. E depois, quando já tenho essa estrutura assim mais ou menos montada, sento-me a tentar escrever e as coisas vão-se construindo. No fim, tens a letra, o texto. O meu processo criativo é sempre assim. Mesmo quando eu parto para a ideia de escrever, tenho estes ganchos, estas palavras que podem ter surgido quando eu estava a gravar uma ideia de voz, mas é muito no momento, é muito espontâneo. 

Estudaste produção de hip-hop na ETIC. No entanto, nas tuas faixas podemos ouvir diferentes sonoridades. Optas por trazer vários géneros musicais como referência para as tuas músicas?

Não é um objetivo, na verdade, é uma coisa até muito inconsciente. Tem a ver muito com as referências que eu tenho. Se eu ouvisse só rap, se calhar fazia só rap, ou se eu ouvisse só flamenco, fazia só flamenco. Aquilo que eu faço é um bocadinho uma mistura de todas as coisas que eu oiço e que são muito díspares, desde a música popular brasileira ou o jazz ou as cenas mais de hip-hop. Então depois, inconscientemente, isso está tudo cá dentro, na minha cabeça, e quando sai tem um bocadinho desses universos todos.  


 

«Eu digo sempre que acho que, às vezes, aquilo que eu escrevo e aquilo que eu faço acaba por ser um bocadinho egoísta, porque sinto que é muito meu e é muito essa tradução daquilo que eu vivo»

 


 

Lançaste recentemente o teu álbum de estreia “Miguela”, que é precisamente uma viagem desde a tua infância até à atualidade. Sendo que és uma artista tão jovem, como é descreves o teu percurso até agora? 

Eu acho que as coisas estão a acontecer da maneira que eu queria, no sentido em que estão a ser muito orgânicas. Ou seja, passaram quatro anos e todas as coisas que foram acontecendo no entretanto até chegar aqui foram sempre muito naturais. Desde as músicas que fiz, os sítios onde eu toquei, tudo isso me deixa muito feliz e deixa-me principalmente olhar em frente e pensar o que é que vem a seguir. E eu gosto deste caminho trilhado assim de “pezinho” em “pezinho”, não houve grandes saltos, nem houve grandes recuos para trás. O caminho está-se a fazer e eu estou super feliz a caminhar assim devagarinho. 

Como é que o público pode conhecer o teu trabalho?

Eu acho que a fama é um bocadinho transversal a toda a gente, seja as redes sociais, Spotify, YouTube e a rádio também, acho que ajuda as pessoas a descobrirem música nova. E depois, tocar em festivais, por exemplo, em que vais ver alguém e, se calhar, depois o meu nome está lá no meio, ou assim. Acho que é por aí que me podem descobrir e ter contacto com a minha música.

Sentes já o carinho do público? 

Sim, eu sinto muito esse apoio. Apesar de não ser se calhar muito ativa ou comunicativa, por exemplo nas minhas redes sociais, sinto que nos concertos ao vivo já tive oportunidade de receber esse feedback e é muito fixe. Quando saiu o disco também claro, as pessoas escrevem ou partilham, e é muito satisfatório sentir isso. 

 

 

 

Como eras enquanto estudante? Tens alguma memória engraçada dos teus tempos de estudante?

Eu era muito boa aluna, fui sempre. Eu sou a irmã mais velha de seis irmãos, então também tinha de ser um exemplo. É engraçado porque eu cresci em Serpa, no Alentejo, onde estudei sempre. E aí só existe uma escola. Por isso, todos os meus irmãos a seguir a mim passaram por lá, todos tiveram de levar com as comparações de “a tua irmã é que era assim, a tua irmã nunca se esquecia” ou “a tua irmã Maria não fazia isso” (risos). 

E já no teu percurso artístico, tens alguma história marcante?

Já vivi momentos muito especiais, seja em estúdio, seja ao vivo. Recentemente, o concerto de apresentação do disco, no CCB, foi muito intenso emocionalmente. Olhei para a sala cheia, esgotada, e senti a minha família, os meus amigos, pessoas que eu não conhecia de lado nenhum, todos ali para me ouvir. Esse momento foi muito especial. Agora há umas semanas atrás, ter aberto o festival Primavera Sound, no palco principal, também foi uma coisa assim tipo “como é que isto aconteceu” (risos). Foi um momento muito fixe. 

Depois, também durante o processo [de produção] deste disco, em estúdio, houve pessoas com quem eu me cruzei que foram muito importantes. Por exemplo, o Marcelo Camelo, dos Los Hermanos, que fez arranjos nas músicas, ou a Mallu Magalhães, que apesar de não estar no disco, também esteve presente lá algumas vezes. Também a Sara Tavares porque, apesar de não estar presente no disco, todas as conversas ou os momentos que tive com ela foram muito importantes. Senti-me realmente sortuda e privilegiada através do cruzamento com essas pessoas. 

 


 

«Partilho de uma forma muito genuína e muito honesta aquilo que eu estou a viver e é muito fixe a sensação de entender que isso faz sentido nas outras pessoas também»

 


 

 

Tens algum palco de sonho que gostavas de pisar?

Eu gostava de tocar lá fora, de ter essa experiência. Seja no Brasil ou, por exemplo, de tocar em Montreux, no Jazz Festival, na Suíça. Ou seja, não há um palco assim especificamente, mas gostava de ter uma experiência de tocar num palco, maior ou mais pequeno, lá fora, para perceber como é que a minha música funcionaria. 

Quais são as perspetivas futuras para a tua carreira? O que podemos esperar?

Apesar de o disco já ter saído e de estar a ter alguns concertos, acho que o que se pode esperar agora, mais certamente, são os concertos que ainda estão por vir durante este ano. Eu também já estou a trabalhar em música nova e a lançar ideias novas, por isso gostava de poder partilhar alguma coisa e pôr alguma coisa nova cá fora.